"Tal comportamento seria impossível se a diretoria do banco não tivesse feito vista grossa para a cultura do pregão. Os padrões e a cultura do Barclays, e dos bancos em geral, estão com a credibilidade abalada”.
Relatório de 300 páginas do Treasury Select Committee sobre o escândalo Libor Barclays
A taxa LIBOR (London Interbank Offered Rate) forma a base de 550 trilhões de dólares (isto mesmo, trilhões) para financiar hipotecas, cartões de crédito e outras transações financeiras. Durante o verão europeu ficou claro que o Barclays estava sistematicamente “manipulando” essa taxa e por isso pagou uma multa de 453 milhões de dólares.
O presidente, diretor executivo e o diretor de operações se demitiram.
É mais um exemplo de jogos políticos no setor de serviços financeiros. Neste artigo quero analisar rapidamente os jogos que estão acontecendo nessa manipulação. Gostaria também de considerar os jogos de relações públicas que têm sido jogados desde que a multa foi aplicada. Mas antes de tudo precisamos entender um pouco mais sobre o processo pelo qual as taxas são fixadas.
Definindo as taxas LIBOR
A LIBOR representa a média das taxas de juros que os grandes bancos cobram entre si para fazer empréstimos por períodos que variam de um dia a um ano. A taxa LIBOR é publicada diariamente pela Thomson Reuters em associação com a Associação Britânica de Bancos – uma organização comercial. Entre 11:00 e 11:10 no horário londrino, aproximadamente 15 grandes bancos “intervenientes” enviam suas taxas de empréstimo interbancário diretamente e com confidencialidade para as duas instituições, Associação Britânica de Bancos e Thomson Reuters. As pessoas que enviam estas informações são conhecidas como “emissores”. Com base nesse envio de dados, as taxas são definidas (empregando-se uma abordagem de “média aparada”).
Jogos de emissão
Muita coisa está em jogo com os traders de bancos quando eles enviam os números da Libor. Num portfólio de swaps de US$ 80 bilhões, um movimento de 1-ponto base em um mês, poderia beneficiar um trader em cerca de US$ 667.000 na taxa Libor, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Mais uma vez presume-se que deveria haver uma “Chinese Wall”, a barreira ética que se estabelece entre as diferentes divisões de uma instituição financeira. Isto obviamente não funcionou e dessa forma os traders do Barclays passaram a influenciar os “emissores” – que por sua vez influenciavam os traders de outros bancos para que pressionassem seus respectivos emissores. Como aperitivo, temos apenas alguns exemplos para mostrar o que acontecia.
Pedido de um trader a um emissor em 31 de maio de 2006:
"Teremos uma outra enorme fixação de preços amanhã e com o movimento do mercado eu pretendia estabelecer com você as Libors de 1M e 3M num patamar tão alto quanto possível"
Resposta em 16 de março de 2006 para uma solicitação de um trader de swaps para uma taxa alta de um mês e uma taxa baixa de três meses da Libor em dólares:
“Pra você... topo tudo. Eu vou de 78 a 92.5. É difícil ir a menos do que em três meses…vendo onde o cash está sendo negociado. De fato, se você não quisesse uma taxa baixa eu teria ido, no mínimo, a 93”
E-mail de trader externo para trader do Barclays que permitiu uma redução na emissão da Libor:
"Cara, te devo essa! Vem aqui um dia desses depois do expediente que eu vou abrir uma garrafa de Bollinger"
Conforme ficou demonstrado mais uma vez pelo relatório da Tesouraria, temos neste caso um exemplo do jogo Fazer Vista Grossa. Obviamente é irreal administrar uma organização simulando que, na presença de grandes incentivos materiais, e na ausência de um controle adequado, os jogos não prevalecerão.
Spin games
Desde a condenação houve uma série de jogos de relações públicas após a multa:
- Maçã Podre. O fato de fingir que só há algumas “maçãs podres” estragando o ambiente de trabalho (“tínhamos consciência de que uma minoria de empregados poderia nos decepcionar...” de uma carta de Bob Diamond ao staff). Recorrendo a valores corporativos e insistindo que qualquer coisa que aconteça é contra a cultura da empresa, Diamond declarou que “os princípios fundamentais do Barclays eram "honestidade, integridade, conduta leal". Foi assim que me comportei durante toda a minha carreira".
- Pista Falsa. Desvio do assunto principal (neste caso, alegações de que as coisas poderiam ser resolvidas com um piscar de olhos, segundo Paul Tucker Vice Presidente do Banco da Inglaterra)
- Semi-arrependido. Conforme Bob Diamond declarou no seu depoimento ante o Parlamento, ele se sentia “pesaroso” mas não “pessoalmente culpável”. Também se surpreendeu com o comportamento, já que o banco não era uma instituição sem “normas rígidas” (realmente)
- Passar por Cima (Bypassed). Insistência em afirmar que não sabia do comportamento (igualmente uma especialidade da News International) e fingindo uma certa incompetência. (Ao que Andrea Leadsom respondeu “você deve estar vivendo em um mundo paralelo”, ao que outro membro do Parlamento comentou “parece que você não via nada, não ouvia nada, não sabia de nada. Você é o responsável e não está nem fazendo as perguntas que deveria ter feito internamente, sendo que as pessoas que estão agindo de maneira criminosa não estão chegando até você. Você deve ser extremamente incompetente, se não for até mesmo conivente”)
Bob Diamond declarou repetidas vezes durante seu depoimento no Parlamento que ele “amava” o Barclays, mas isso sem dúvida não é nenhum consolo para os pobres empregados e clientes do banco. Agora ele foi embora e seu “paraquedas dourado”, ou a indenização de alto funcionário para a sua saída está fixada em 17 milhões de libras.